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segunda-feira, 9 de julho de 2018

O papel da mulher negra na literatura



Em minhas andanças em grupos de facebook e fóruns, sempre faço parte de diversas discussões. Acredito que isso enriquece meu ponto de vista, além de também ser estudo de mercado e público (precisamos entender quem trabalha conosco aqui). Semana passada fiquei presa a um post que encontrei que trazia uma reflexão sobre o papel de uma mulher negra na literatura. Quem me conhece ou já leu algum artigo meu deve saber que este é, de longe, meu assunto FAVORITO. Mas o post acabou não me agradando tanto…

No seu texto uma autora do Wattpad relatava a experiência ruim que teve ao divulgar sua história sobre uma realeza fictícia onde tinha uma mulher negra como protagonista. Ela levantou a bandeira do racismo e da não aceitação de um corpo negro empoderado no centro do conflito de uma história. Parece o tipo de coisa que eu aplaudo, mas infelizmente tive que falar contra o texto que li naquele post.

Ao descrever sua trama, a autora deu diversos detalhes de sua história, tais como a presença de um homem protagonista branco e príncipe e de uma burguesia totalmente branca que subjugará a personagem principal. Citou também o romance interracial que fará na história, entre a negra plebéia e o branco príncipe. Ela disse que se sentiu muito ofendida ao ser questionada do motivo de não colocar a mulher negra em posição de poder, já que se tratava de um livro historicamente acurado, segundo ela, então ela não poderia colocar negros no poder.

Mas será que não poderia?

Autores, vocês precisam aprender a ver a vergonha de suas desculpas esfarrapadas. Se você criou um mundo fictício, meu anjo, você pode sim. Você pode TUDO. Você apenas não quis. Se Harry Potter é uma horcrux, Percy Jackson é filho de Poseidon e os hobbits atravessaram a Terra Média, então você pode fazer o que quiser. O poder está na sua mão quando você cria um ambiente do zero. Me choca o quanto autores são criativos para trabalhar com fadas e grifos, mas nunca com negros.

E não culpe a acuracidade histórica por não dar espaço de brilho para negros em livros, quando tantas realezas negras reinam e reinaram neste mundo. Aqui mesmo no Brasil tivemos muitos negros nobres, os conhecidos “ilustres”. Não eram casos abundantes e É ÓBVIO que tais pessoas continuaram enfrentando o racismo todos os dias. Ou seja, é possível representar uma história de racismo sem colocar a personagem em espaço de subjugo. Você não colocou porque não quis.

O que me prendeu principalmente a essa história foi a colocação da autora de dizer que sua personagem é empoderada e que isso incomoda os racistas. De fato, uma mulher negra no centro do poder incomoda, mas você precisa mostrar uma para incomodar.

Eu não acho que TODOS os livros envolvendo pessoas negras no papel principal devam girar ao redor do empoderamento negro, não mesmo. Eu acredito em normatização da presença negra na literatura (assim como da presença LGBT), para que os novos leitores possam nos encontrar no senso comum e assim entender que é certo que ocupemos todos os tipos de espaços. Acredito fielmente que nem toda literatura deve ser militante - o que não significa que eu não ache que toda literatura é política. Estudo atualmente o livro “Ponciá Vicêncio” de Conceição Evaristo e encontro ali uma história que não empodera de forma alguma a mulher negra. Pelo contrário, a história mostra como é cruel a realidade de uma mulher negra, pobre e interiorana. Tratando de assuntos como violência doméstica, saúde maternal e sexualidade, ele jamais levanta a bandeira da união e luta das mulheres. Nós, os leitores, fazemos isso a partir da conscientização de nossa leitura. Então é óbvio que eu não acho que é necessário que toda mulher negra na literatura seja a própria Annelise Keating (favor assistir How To Get Away With Murder para pegar a referência). Mas vai me incomodar toda vez que a bandeira do empoderamento for levantada em vão, porque isso é falar algo que você não banca, e não vamos aceitar. Está na hora do autor nacional tomar responsabilidade do que fala.

Ao repetir o padrão clássico da mulher negra pobre que almeja a vida de luxo dos brancos e consegue se elevar socialmente a partir de um relacionamento com um Brancão Salvador™, você não empodera ninguém, apenas repete a mesma história contada todos os dias. E isso só é romântico na sua monarquia inventada, pois na vida real essa é a história de uma menina de 12 anos vinda do interior e escravizada numa mansão sob a alcunha de “empregada doméstica” que, sem perceber o abuso, se envolve com o seu patrão em busca de facilitar sua vida. Quando você escreve isso, não está empoderando ninguém, só está romantizando uma relação absurda que feriu e continua ferindo a nós, mulheres negras. Não aguentamos mais só ver este lado quando fazemos parte dos livros, é hora disso mudar.

É necessário aprender a lidar com críticas e não se prender ao discurso fácil do “geração mimimi” e “hoje todo mundo problematiza tudo”, pois fazer um post de reclamação onde a maioria branca vai comentar que o racismo está na cabeça dos negros não vai avançar sua carreira de jeito nenhum. Estudar e parar de falar besteira que vai. Abra seus olhos, quem sabe assim você não entende que o racismo não está nos olhos de quem vê, ele está no seu livro.

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