Por Jacqueline O. Conceição
Escrever
sobre um livro que nos marcou não é tarefa fácil. Antes. Torna-se
imprescindível digerir o texto e posteriormente maturá-lo. Esse processo de
amadurecimento é demorado. No entanto, necessário para que assim o leitor possa
converger os assuntos lidos. Todorov em seu brilhante texto em que revela A
Literatura em Perigo,
nos dá um puxão de orelha ao permitir que lêssemos:
“A literatura não nasce
no vazio, mas no centro de um conjunto de discursos vivos, compartilhando com
eles características”. E é exatamente dessa forma que devemos
nos voltar para as produções literárias. Especialmente aquelas contadas por
mulheres negras.
A
leitura,exige um planejamento constante e uma postura no olhar que nos
direciona para um caminho rumo à libertação de tudo aquilo que amarra a nós
mesmos. É dessa forma, ou melhor, uma das formas que encontrei, para significar
a poesia de Ryane Leão. Uma coletânea de textos de pujança que vão, a cada
leitura, inscrevendo existências em nossa mente ao provocar, aquilo que chamo,
de starts em nosso Orí.
Sua
escrita é marcada por versos que mais parecem prosas. Cada frase é densa e
única, e somada formam estrofes de redenção, luta e amor. Da mesma maneira em
que complementa o título de sua obra “Tudo
Nela Brilha e Queima – Poemas de Luta e Amor”.
A
sua poesia revela engajamento, comprometimento e ternura. Há momentos em que é
revelada por uma face de pedra. Sim. É possível encontrar temáticas, como: as
da espera, do abandono, do tornar-se negra, do resgate de autoconfiança, da autoestima
e de uma (re)existência que só é possível quando se aprender a ser passarinha e
voar. São textos assim que chamo de poéticas de catapulta. Convocam as
subjetividades de outras mulheres negras à guerra no lugar de ancorarem seus
navios. São escritas de violento choque de realidades indispensáveis a nós.
Em,
“nem
todo mundo vai compreender
Isso tudo que você é
O que não significa
Que você deva se esconder
Ou se calar
O mundo tem medo
De mulheres extraordinárias”
(Tudo
Nela Brilha e Queima – Poemas de Luta e Amor)
A
autora precisamente outorga outras mulheres negras da culpa trazendo isenções
ao dizer que “o mundo tem medo de
mulheres extraordinárias”. Ela convoca interioridades a não temerem cada
parte que constitui as muitas mulheres existentes em uma única. Enfatiza uma
ausência de compreensão do universo feminino comum em diversas pessoas nas
sociedades patriarcais e autoriza mulheres a se verem com toda a plenitude de
que conquistaram.
Ao
percorrer as leves páginas de seu livro. Ryane com um chamamento nos prende a
atenção:
“não
romantize
O
que te rasga
O
peito”
Um
poema-memória repleto de realismos e contemporaneidades. Ela entende
perfeitamente que muitas mulheres canalizam energias desnecessárias e investem
em relacionamentos abusivos. Ao trecho, a leitura pontual navega no campo dos
traumas transgeracionais.
Em
“Ela
só ama
Onde
encontra alma
Nas
coisas”
Podemos
ver um outro lado de sua produção poética. Encontramos ternura, amor e paixão
pela vida. Mas, e, sobretudo pelo viver. A estética literária desse conjunto de
poemas constitui-se por chamas espalhadas pelos ventos de uma filha de Òyá. Nem
sempre a poesia é búfalo. Ryane nos mostra que ela pode ser amor na medida em
que amamos a nós mesmos.
Tudo Nela Brilha e Queima
– Poemas de Luta e Amor é o prenúncio perfeito, o aviso
imediato do quão metafórico podem ser as experiências narradas por uma mulher.
É o sinal laranja do semáforo literário na indicação de cuidado! Aqui há fogo!
Porém, também há amor. São intersecções a serem definidas pelas retinas de quem
olha. A poética-prosa de Ryane é rasura em ebulição. Ou você se queima. Ou você
ama. Sua escrita não negocia meios termos. Ela soma os pedaços e se constrói
inteira. Assim como o seu livro: um bálsamo que nos faz pular para dentro de
nossos precipícios sabendo que leituras como essas sempre irão nos salvar.
Jacqueline Oliveira é mulher de àse e possui graduação em Letras Clássicas pela UFRJ e especialização em Mediação Escolar e Comunitária pela UFF. É pesquisadora da Literatura de Paulina Chiziane e da Literatura Afro-Brasileira de autoria negr feminina, professora de Língua Portuguesa na rede privada de ensino. Escritora com co-autoria nas antologias [sobre]viver, Resistir e Lutar, do coletivo ALEPA (texto que rendeu 1º lugar no gênero contos em 2018); Vértice: escritas negras, Ed. Malê (2019), Antologia Brasileira de Prosa e Poesia, Ed. Sol Além Mar (2017), Finalista do IV Prêmio de Literatura Nacional de Belford Roxo, ocupando o 2º lugar no gênero poesia; (RE)existência, Ed. Cartola (2020); Narrativas de Mulheres Negras, Ed. Conexão 7 (2020). Atualmente cursa Pedagogia na Universidade do Norte Paraná (UNOPAR) e é colunista da revista África e Africanidades.
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