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domingo, 3 de novembro de 2019

Guardiões - Vanessa Nunes

Guardiões



Vanessa Nunes
A vida inteira as pessoas escutam histórias estúpidas sobre o Natal. Que Papai Noel é o bom velhinho que traz presentes às crianças que se comportaram durante o ano, e tem ainda, a ladainha do Père Fouettard. Esta é ainda pior, ele anda junto com o Papai Noel, só que, em vez de deixar presentes, ele deixa carvão ou chicoteia as crianças desobedientes como forma de punição. Dizem ainda que ele era um açougueiro, e quando vivo e sequestrou três garotos, e, por fim, os matou, cortando seus corpos e colocando-os dentro de barris. São Nicolau achou os corpos, os ressuscitou e lançou uma maldição em Père. Assim, como forma de castigo, ele teria que acompanhar Papai Noel em todas as entregas dos presentes e punir as crianças desobedientes da forma que o Bom velhinho escolhesse, deixando-o irritado.
Antigamente tudo era tão fácil, tudo preto no branco, mas a verdade é muito mais complicada do que isto nos últimos anos.
O próprio Papai Noel não entrega presentes há muito tempo. O Natal é a única época do ano em que anjos e demônios trabalham juntos em prol da sobrevivência de todas as raças, já que neste dia os Guardiões precisam proteger a entrada do purgatório. E por quê? Porque é justamente na véspera de Natal que os Old Ones aguardam o Breu em suas tentativas de tirá-los de lá. Para que você entenda melhor esta história, eu talvez tenha que te explicar alguns fatos que vêm se mantido desconhecidos para o mundo, nos últimos anos.
Antes do mundo ser criado, Deus se sentia só. Então Ele resolveu criar algumas das primeiras bestas, como bichos de estimação, antes dos anjos, seres humanos, demônios, antes da própria alma em si. O problema é que estes Old Ones começaram a causar destruição e morte por onde passavam. Eles eram de extrema inteligência e tinham uma fome insaciável. Deus percebendo que aquilo não podia continuar, criou o Purgatório e os absorveu. Sabemos que de alguma forma eles seriam extintos, mas a ideia simplesmente foi esquecida. Afinal, há coisas muito mais importantes e antigas por aí do que seres e almas no Purgatório.
Enquanto muitos pensam em Halloween e aquela coisa toda por conta do véu dos Mortos, a nossa maior preocupação é com a época Natalina. É nesta parte do ano em que as pessoas se tornam mais sensíveis, chorosas, lembram de familiares perdidos, de casos tristes e o índice de suicídio e tristeza aumenta em níveis estratosféricos. E isto é de extrema importância, afinal, quanto mais as pessoas acreditam na infelicidade, mas desacreditam no amor. Assim, o Breu cresce e atormenta, se alimentando do mal em todas as formas. E por isso, toda véspera de Natal ele tenta soltar estas almas. E é aí que os Guardiões entram.
Os Guardiões são compostos basicamente por seres sobrenaturais: A Fada do Dente, que além de coletar dentes guarda nossas maiores lembranças, o Coelho da Páscoa - que passa o dia discutindo com Papai Noel alegando que a Páscoa é melhor do que o Natal e o Sandman, o Portador dos bons Sonhos. Do outro lado, há o Breu, justamente o oposto de tudo o que os Guardiões representam. Ele é o bicho papão que se esconde embaixo de nossas camas personificado. É a escuridão, é a razão de termos medo do escuro.
Enquanto gerações de Pais ensinam a seus filhos que ele não existe, os Guardiões crescem e ficam cada vez mais fortes quando são aclamados. Por isso o Breu precisa dos Old Ones, para que juntos possam sair do purgatório, se juntar em seu covil subterrâneo e fazer com que as pessoas acreditem nele em vez de acreditar no que é bom. O plano dele é que não reste nada além do medo.
Como a cada ano menos pessoas acreditam no Natal e em São Nicolau, aquela magia de fim que antes nos rodeava tem se tornado uma mera lembrança. Com isso, Papai Noel vem perdendo mais e mais as suas forças. Suas renas, que voavam pelo céu como raios, hoje podem ser vistas a olho nu se você olhar no momento em que elas passam. O mundo vem acabando de tragédia em tragédia, e nem os seres mágicos e de fantasia se salvam.
Então chego em mim, mas ainda sem muitos detalhes. Estou aqui observando a luta de sempre entre o Breu e os Guardiões. Eles chegaram na casa de um trio de meninos que estavam esperando o pai chegar com uma ceia improvisada. A mesa estava simpática, com umas ornamentações interessantes feitas por eles. A comida é a que havia na geladeira, sem muita pompa e de preparo duvidoso, mas passável pelo carinho e amor com que foi feita. É mais uma véspera de Natal e a energia do lugar estava pendendo para o lado do bem. O problema começou quando o homem, bêbado, entrou pela porta aos gritos, tirando o cinto e distribuindo açoites para todo lado. Não adiantou as crianças gritarem, mostrarem o que tinham feito. Ele não quis ouvir e bateu muito nos três. Quando se cansou, deixou um deles no chão, desacordado sobre uma poça vermelha, enquanto os outros dois se escondiam dentro do guarda-roupas com o corpo cheio de tiras roxas e sangrentas. Foram eles que chamaram pelos seres do bem com seu choro e a esperança de um Natal melhor.
Papai Noel chegou com seu grupo poucos depois da surra. Ainda com força para se manter invisível aos olhos humanos, passou pela sala onde o homem se lambuzava com a comida posta e correu para o menino caído. Quase ao mesmo tempo, o Breu se manifestou, sugando a raiva e a maldade daquele pai tenebroso, se fortalecendo ainda mais. Quem o viu primeiro foi a Fada do Dente. A coitada esticou o braço com a varinha e irradiou pensamentos positivos na direção daquela massa maligna sem conseguir nem fazer cócegas naquilo. A reação pegou ela meio de lado e arrancou as asas provocando um grito que parecia misto de dor e muita tristeza. O impacto seguinte destruiu a varinha e arrancou a cabeça da fadinha. Ela não teve chance.
O Coelho da Páscoa viu a amiga cair e puxou o bom velhinho antes que um raio escuro pegasse ele pelas costas. Noel sempre dava prioridade às crianças e estava tentando reanimar o menino. Quando ele acreditava realmente em algo, não havia nada e nem ninguém que desvirtuasse a sua atenção, por isso mesmo, se não fosse seu amigo implicante, certamente não teria sobrevivido. O orelhudo correu segurando o suspensório do homem de vermelho tirando ele da linha de tiro. Escaparam por pouco tempo porque o Breu calculou a trajetória da dupla atirando uma de suas bolas explosivas de energia da maldade. Quando a explosão os atingiu, deixou seus corpos mágicos suspensos no ar girando, enquanto fechava o cerco, apertando aqueles seres já sem condições de revidar. Eles estavam mesmo opacos, quase sem luz própria, desaparecendo. O ser da escuridão estava a ponto de comemorar, mas Noel tinha uma última surpresa. Com sua ligação mental com as renas, fez com que elas entrassem na luta envolvendo aquela massa negra, dissipando o círculo de negatividade. Nesse momento eu pensei que tudo podia mudar e que o bem mais uma vez ia levar a melhor. Até pensei em ajudar, mas antes de deixar o meu esconderijo gelado vi o Breu tirar de dentro de si um globo pulsante que nunca tinha visto antes. Ele recitou algumas palavras e a coisa se expandiu, dobrando e depois triplicando de tamanho. O velhinho começou a falar em um língua estranha, enquanto Rudolph fazia o seu nariz brilhar com toda força que ainda lhe restava. O coelho acompanhava Noel nas palavras e isso por um momento pareceu fazer o globo parar de crescer. Por um momento, apenas. O Breu abraçou o homem que ainda comia sem perceber nada do que estava acontecendo em sua casa, sugando sua alma. A massa vazia bateu no chão ao mesmo tempo que o globo explodiu, liberando dezenas de seres sombrios, com uma voracidade que espantaria qualquer um, mágico ou humano. Eu não fui embora porque sabia que se eu saísse do lugar poderia ser descoberto. E não queria, de forma alguma, esbarrar com aquelas criaturas.
Um dos Old Ones pegou a perna do coelho sacudindo o pelo branco por todos os lados. Quando as mandíbulas se fecharam, aquela coisa mágica, implicante e fofinha se desfez deixando no ar imagens flutuantes de ovos coloridos. Noel não teve tempo para sentir tristeza pela partida do amigo e concentrou um último raio de força para acordar o menino que ainda estava no chão. Foi sua última ação porque em seguida outra criatura das trevas mastigou seu tronco com apenas duas mordidas. As renas foram as últimas, sem reação alguma, tristes e cabisbaixas, sofrendo com a perda de todos os Guardiões.
O Breu, satisfeito com o sucesso do seu plano, chamou os seres antigos para o seu lado. Acho que por serem todos escuros eles conseguiram se entender e deixaram juntos a casa e aquele ambiente. Esperei ainda alguns minutos antes de abrir totalmente a porta da geladeira e deixar meu esconderijo. As entidades mágicas haviam se dissipado e nada restava para contar história. Os meninos saíram do guarda-roupas e se aproximaram do irmão que sangrava pelos cortes no rosto, mas que, graças ao Noel, estava bem. Como não viram nada do que aconteceu, se espantaram quando perceberam que o pai estava morto. Mesmo assim, trocaram olhares de compreensão mútua e, porque não, felicidade. Seu algoz estava ausente de forma definitiva e poderiam continuar suas vidas torcendo por dias melhores. Se eles ao menos soubessem...
Mas como eu disse antes, nem tudo é tão simples. O Breu estava no comando com seus amigos trevosos e a tendência era que a escuridão tomasse o controle de tudo. No entanto, quando os irmãos se uniram em um abraço fraterno e sincero, seus pensamentos se voltaram para o Natal, encarando a liberdade como um grande e especial presente. Neste meio tempo, alguns traços dourados como se fossem um tipo de areia surgiu na sala. Traços com imagens de famílias reunidas em outros locais, de pessoas sorrindo, das pilhas de cartas que as pessoas pegam nos correios para doar presentes às crianças mais carentes, de pais e filhos abraçando-se e ceiando a meia noite. Imagens aleatórias de animais fofos também se tornaram presentes.
Posso jurar que vi algo vermelho piscar, iluminando um ponto da sala, no outro, uma mistura de verde com azul e rosa, e ainda num outro algo branco. Foi tudo muito rápido, como a esperança de um futuro perfeito. Pode ser que nem tudo esteja perdido e que os Guardiões voltem renovados pela crença de mais crianças em Noel, Coelho da Páscoa e Fada do Dente, quem sabe até me mim mesmo. Mas aqueles fios dourados? Este com toda certeza é o Sandman nos salvando mais uma vez.
Eu vou ficar atento e se eles voltarem mais fortes, pode ser que eu os ajude em algum momento. Quem sabe?
E quem sou eu? Não é importante. Mas, fui escolhido pelo Homem da Lua, porque foi burro o suficiente para ter morrido caindo no gelo em um ato estúpido com um bastão, embora ao que parece, isso tenha significado um ato de coragem. Você pode me chamar de Jack. Mas eu prefiro mesmo o nome composto. Sou Jack Frost, eu sou um dos Guardiões escolhido pela Lua, mas ainda estou aqui, nas sombras… Ainda decidindo para qual lado ir.


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