O Preconceito na Literatura
Por Mhorgana Alessandra
“Como querem mais armas?
Quando já enterramos oito caras...
Mais uma farda mancha uma blusa,
É o poder de quem abusa.
Levanta preta!
Resiste Marielle,
Limpem o sangue da blusa de Marcus,
Desenterrem Eduarda,
Saúdem Dandara!
Bum!
Mais um corpo preto no chão,
Mais uma alma violentada,
Por falta de compaixão,
Mais uma Marielle é assassinada.
" Quantos mais vão precisar morrer?"
14 de março...
O último abraço em sua mulher,
O último aceno "salve favela"!,
Salve-se quem puder.
Uma bala pela janela,
Escorre o sangue da feminista,
Antirracista,
Cotista!
No batuque do tambor,
Uma história repleta de dor.
Na cabeça o turbante,
Que te faz representante.
O sonho de ver o negro estudante!
"Mesmo negra e favelada,
Acha que devo ser assassinada?"
(Salve-se quem puder / Victória Manuela)
O preconceito na literatura não é muito diferente daquele que presenciamos no nosso cotidiano ou até mesmo, na apresentação das outras artes. Ainda assim, vivemos um momento de redenção e quebra de paradigmas e muitos artistas talentosos têm conseguido levantar sua bandeira e mostrar sua arte, garantindo espaços nas mídias em geral. Todavia, o preconceito persiste de forma gritante quando se trata de mulheres ou negros, seja nos poemas, nos romances ou nas narrativas em si.
Ainda hoje, algumas pesquisas mostram que o número de publicações de negros é ainda menor do que autores brancos. O preconceito em nossa literatura começa antes mesmo de escritores negros baterem à porta de uma editora para publicar seu livro, pois a presença destes na Literatura Brasileira está relegada a um segundo plano. Ou eles não aparecem ou são retratados com predicativos que, de forma implícita ou explicita, procuram atribuir-lhes características negativas, isto é, fica evidente que consciente ou inconscientemente para alguns escritores de cor branca, os negros ainda estão na senzala, ou atuando como serviçais.
Em O Cortiço, o mais famoso dos romances de Aluísio Azevedo, publicado em 1890, a personagem mulata Rita Baiana é retratada por sua sensualidade e em várias ocasiões, Azevedo enfatiza sua amoralidade, tendo ela seduzido o português Jerônimo. A bela, então, torna-se a causa da degeneração do mesmo, que, de um imigrante trabalhador e honesto, passa a ser um brasileiro inútil e dado a vícios.
Machado de Assis é considerado até hoje o maior escritor brasileiro, e era epilético, gago e descendente de escravos. Nascido em 1839 no Morro do Livramento no Rio de Janeiro, viveu 69 anos, e morreu em 1908. Ele reunia vários predicativos das minorias, mas em seus escritos, ele nunca se preocupou com o problema racial e raramente tocou em questões da escravidão, cuja abolição ocorreu quando ele ainda era vivo.
A maioria de seus romances tem por cenários as classes mais altas da burguesia do Rio. Dentre seus livros, citamos a trilogia Memórias Póstumas de Brás Cubas de 1881, Quincas Borba de 1892, e Dom Casmurro de 1900. Em sua obra, ocorrem algumas referências ao negro, mas sempre, com o autor demonstrando preocupação em atenuar os aspectos ligados à cor. Tal fato nos leva a pensar que ele, de alguma forma, evitava tocar no assunto, tão delicado para a época.
A nossa Literatura Brasileira conta com renomados escritores negros
Podemos citar grandes autores: Manuel Inácio da Silva Alvarenga, o poeta que expressou a visão do homem negro, nas poucas vezes em que comentou esse tema. Entre suas obras: O Desertar, poema herói-cômico e Glaura.
Antônio Gonçalves Dias, que diluiu o tema do negro em suas obras mais conhecidas: Primeiros cantos, Segundos cantos e Sextilhas de Frei Antão e Os Timbiras.
José do Patrocínio, que escreveu obras em prosa de caráter realista, nas quais evidenciou sua intenção de analisar questões sociais, como em Coqueiro ou a Pena de Morte, Os Retirantes e Pedro Espanhol.
João da Cruz e Souza, que representa o ponto alto do Simbolismo brasileiro com os livros Broquéis, Missal, Faróis e Últimos sonetos.
Afonso Henriques de Lima Barreto, que expôs as contradições de nosso ambiente social. Dentre suas obras podemos citar: Recordações do Escrivão Isaías Caminha, Triste Fim de Policarpo Quaresma e Numa e Ninfa.
Lino Guedes, que trata da assimilação dos valores da sociedade branca e entre os seus livros destacamos: O Canto do Cisne Preto e Negro Preto e Cor da Noite.
Também temos que citar Solano Trindade, o autor que traz a reivindicação social do negro em busca de melhores condições de vida. Dentre suas obras, citamos Poemas d’uma Vida Simples e Cantares ao meu Povo.
Ainda nessa temática, Maria Firmina dos Reis, que publicou o romance Úrsula, atribuindo aos escravos participação importante no enredo. E por fim, Carolina Maria de Jesus com Quarto de Despejo, que alcançou repercussão internacional, com caráter documental e de contestação social. Publicou ainda: Pedaços de Fome e Diário de Bitita.
Na atualidade, temos uma autora negra, que é ícone de leitores de todas as idades. Aos 71 anos, Conceição Evaristo nasceu em uma favela de Belo Horizonte e foi empregada doméstica, tem graduação, mestrado e doutorado em Letras.
Publicou seu primeiro poema em 1990 no Cadernos Negros. Militante ativa, suas obras abordam questões raciais, de gênero e de classe. Em 2017, teve o romance Ponciá Vicêncio, de 2003, publicado em inglês nos Estados Unidos e, em 2015, venceu o Prêmio Jabuti de Literatura com Olhos D'água na categoria Contos e Crônicas. Virou tema de exposição, e já foi cotada para ocupar a cadeira de número 7, na Academia Brasileira de Letras, deixada pelo cineasta Nelson Pereira dos Santos, mas infelizmente não foi eleita. Será que a nossa diva maior da literatura nacional atual, perdeu a cadeira para Cacá Diegues, por ser mulher e negra?
Encontre a autora em:
Facebook: Mhorgana Alessandra
Insta: @mhorganaalessandra
Belíssimo texto, Mhorgana, sabe que tb nunca me conformei que a Conceição Evaristo não foi eleita para a ABL, tb me pergunto se teria sido por ser mulher e negra. BJOS da Maga
ResponderExcluirBelo texto, amiga, e lindo poema da Vic.
ResponderExcluirLindo poema e texto instigante Mhorgana!O lugar do negro é so lado dos brancos! Sempre!
ResponderExcluirAmei o texto, e não poderia ser diferente em se tratando da pessoa sensata que você é. Há paradigmas que não foram realmente quebrados e isso se reflete na falta de representação do negro hoje na literatura. Estamos em 2019 e parece que pouco evoluímos.
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