Novidades!

Post Top Ad

Your Ad Spot

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

O curioso caso do escritor daltônico

Sempre me intrigou, enquanto leitora e escritora, o quanto autores são capazes de serem criativos com as raças, títulos, países, nomes e nunca com pessoas negras.

Bem vindos ao mundo dos autores que não veem cor. Ou fingem que não.

A falta de representatividade negra na literatura não é opinião, é fato. Ela está aí para ser vista, apreciada e lambida das páginas de todos os livros com pessoas brancas e padronizadas nas capas. Quando tocamos no assunto de representatividade, vamos ainda mais fundo, ok? Falamos também de protagonismo. Ou seja, a melhor amiga ou prima da personagem principal ser negra não muda muita coisa se ela tem um total de duas falas durante o livro. O assaltante ou stripper ser um homem negro (com background de pobreza e histórico violento/criminal, como SEMPRE) também não ajuda em nada, inclusive atrapalha. Estes são os personagens que você enfia nos livros como cotas, para dizer que tem negros e ganhar o seu troféu.

Preste atenção na hora da premiação, pois no troféu estará escrito “Prêmio Por Excelência em Desserviço Literário.

O escritor que afirma que não vê cor é sempre o mesmo que só tem personagens brancos. De fato, ele não vê cor, pois seu trabalho invisibiliza pessoas negras. Realmente não há nenhuma cor ali, mas por escolha do autor. Cada escritor que finge que as pessoas negras não existem contribui para que a exclusão e segregação continuem acontecendo no meio literário. É impossível realmente achar que não tem como ter pessoas negras no meio que você está escrevendo. Vou repetir pra quem fingiu que não entendeu: é impossível. Você pode botar sim, você pode incluir sim e sem muito esforço. Você não o faz porque não quer.

Um beijo muito especial para os escritores de alta fantasia, que criam mundos novos, e ainda assim não incluem baseados em “acuracidade”. Um beijo e um troféu para vocês.

Entrou muito em voga a discussão da quebra da visão do padrão europeu na última Copa do Mundo, quando muitos se surpreenderam com as seleções da França e da Bélgica, cheias de negros de várias ascendências. Estas pessoas ainda viviam na (ir)realidade branca de um filme do Martin Scorsese que se passa nas praia européias, enchendo as telas de bundas e peitos brancos, anoréxicos e loiros. Que bom que acordamos estas pessoas! Parabéns para o Lukaku, para o Mbappé e para mim.



A Europa está cheia de negros. A Ásia está cheia de negros. A América está cheia de negros. Abra seu maldito olho preconceituoso e entenda que é possível sim, você é que finge que não, para continuar mantendo sua história branca. Não há lei que te obrigue a mudar isso, mas saiba que nós já entendemos a sua desculpa e que a conta chega. A partir de mim geralmente chega fazendo questão de boicotar livros de autores que se prendem a este cinismo. Se você ficou revoltado lendo este artigo, provavelmente é um deles.

Como disse minha grande musa inspiradora e madrinha literária Conceição Evaristo, “quem acredita na democracia racial ou é sonso ou é alienado”. Escolha a sua categoria caso continue tentando manter a literatura como ela está. Lá estamos nós chegando com a tochas, as pás e os livros enegrecedores. Vejamos quem ganha.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Páginas